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3 de janeiro de 2010

Seja Consciente, Tia!

Estava saindo de um restaurante com uma amiga no meu intervalo de almoço, quando ele me abordou:

- Me dá um ticket aí, tia?

Comecei a abrir a bolsa e olhei nos olhos dele. O que vi me assustou. Ele vai tentar puxar a bolsa, pensei. Então mudei de idéia. Segurei com firmeza a bolsa e disse:


- Hoje eu não tenho, querido.

E segui caminhando com minha amiga ao lado. Foi então que ouvi:

- Seja consciente, tia!

Parei na mesma hora e tornei a olhar para ele. Havia um certo tom de zombaria na sua voz. Continuei a caminhar e percebi que ele nos seguia. Resolvi voltar logo para o trabalho. Fiquei com medo dele.

No dia seguinte voltei ao mesmo restaurante sozinha. Ele já estava na frente do mesmo, abordando as pessoas que saíam. Ele viu quando entrei. Almocei e saí, já com um ticket na mão. Imediatamente ele veio em minha direção. Quando ele chegou perto, eu me adiantei e falei:

- Tudo bem com você?

Surpreso ele respondeu:

- Tudo.

Então continuei:

- Olha só, eu quero combinar uma coisa com você. Hoje eu vou lhe dar um ticket, mas talvez amanhã eu não tenha para lhe dar. Você vai prometer não ficar chateado comigo por causa disso, ok? Por que se você prometer, nós vamos ser amigos. Você quer ser meu amigo?

Ele pensou por um momento e respondeu me olhando bem nos olhos, como se quisesse se certificar da minha sinceridade.

- Quero - ele disse.

Então perguntei seu nome, onde morava, se estava estudando, etc. E ele me contou sua história, uma história igual a de tantas outras crianças do nosso país. Explicou que morava longe, que a mãe não dava conta de sustentar tantos filhos, nada sabia do pai, não podia estudar porque tinha que levar dinheiro para casa.

Disse que tinha 12 anos, mas parecia ter 10. Conversamos um pouco e voltei ao trabalho me sentindo leve por causa do meu novo amigo, mas também pensando no absurdo de uma criança ter que conviver com tantas dificuldades. Estava ficando mais consciente como ele mesmo havia me pedido.

Nossas conversas tornaram-se rotina. Eu chegava ao restaurante e lá estava ele. Sorríamos um para o outro. Éramos amigos. Ele me passava a idéia de que eu era a melhor parte do seu dia. Reclamava quando eu não aparecia. Nem os tickets me pedia mais. E eu abria a bolsa na frente dele para pegá-los, sem a menor preocupação.

Até que ele sumiu. Muitos dias se passaram e nem sinal dele. Não aguentei mais e fui perguntar ao dono do restaurante, que era meu amigo, se ele sabia alguma coisa do menino que pedia tickets na frente do seu estabelecimento.

- Sei – ele me disse. Foi levado a uma instituição para menores infratores. Parece que roubou algumas bolsas e acabou sendo pego em flagrante. Mas eu percebi que ele gostava muito de você. Aliás, muita gente percebeu. Como você conseguiu isso?

- Eu? Nada fiz. Apenas o tratei da mesma maneira com a qual trato você. Com todo o respeito pelo ser humano que ele é e com toda a atenção e carinho pela criança que ele ainda é. Resumindo, tratei-o simplesmente como gente. E fique sabendo que eu também gosto muito dele.

Meu amigo me olhou e nada disse. Então lhe dei um sorriso triste e segui meu caminho. Nunca mais soube do menino. Mas nunca pude esquecê-lo e nem a sua frase.

Fiquei com a sensação de que poderia ter feito muito mais por ele e não fiz. Tenho tido que conviver com isso. Hoje, só me resta torcer para que ele tenha se tornado um homem de bem e superado todos os seus enormes desafios.

22 comentários:

  1. Sempre temos a sensação de inacabado, pois os nossos gorvenantes não iniciaram e a bomba fica dentro de nós.
    Abraços forte

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  2. Oi,
    Denize,
    Lindo post amiga, fiquei com um "nózinho" na garganta. Belo post.
    bjos no coração e fica com Deus

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  3. Oi amiga, sou daquelas que também se preocupa em tentar tratá-los como gente... e também já tive meu coração apertado muitas vezes!
    Quando os conhecemos percebemos que eles acabam se tornando o que as pessoas querem que eles sejam!
    Beijo no coração

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  4. Oi Príncipe!

    Mas eu penso que a bomba, como você diz, é nossa mesmo! Seja porque nos omitimos e muito pouco fazemos para modificar esta situação, seja porque elegemos políticos pouco comprometidos com as causas sociais. Para mim, a solução para os problemas desses nossos irmãos, passa por nós todos, e se esses problemas perduram, temos uma boa quota de responsabilidade nisso.

    Sinto sua falta quando demora a aparecer por aqui...

    Grande Abraço,

    Denize

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  5. Obrigada Josy, eu sei bem do que você está falando. Também fiquei com esse nó na garganta e me emocionei bastante quando escrevi este texto.

    Bjs Denize

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  6. Olá Denize,

    Mais um ótimo exemplo de como ser uma boa pessoa. Sua atitude foi maravilhosa. Poucos agiriam assim quando estão temerosos.

    Parabéns pelo texto e pela atitude!
    Grande abraço.

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  7. É verdade Valéria, não tem como não ficar com o coração apertado vendo a situação dessas crianças. Por isso penso que quanto mais cedo começarmos a abrir o coração para estes nossos irmãos, mais chance teremos de algum dia, abrir as bolsas sem receio.

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  8. Obrigada Iuri.

    Mas sou obrigada a reconhecer que em determinadas situações estas atitudes são termerárias mesmo. Eu construí essa amizade aos poucos, até que se estabelecesse uma confiança mútua. Essas crianças são tão acostumadas a serem ignoradas e maltratadas, que acabam adquirindo uma certa agressividade e uma certa desconfiança na natureza humana, no que, aliás, não lhes tiro a razão. Penso que só usando o coração, se pode neutralizar isso.

    Grande abraço,

    Denize

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  9. Uma bonita e triste história... Sempre temos essa mania de achar que eles vão nos roubar, tudo bem que esse roubou, mas se todas as pessoas tratassem ele, como vc tratou, talvez ele nao chegasse a esse ponto de pensar em roubar bolsas de ninguem! Temos que pensar mais nos outros, sermos mais solidários com o próximo!

    Muito bom o seu blog, está de parabéns!

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  10. Oi Denize, descobri mais um espaço seu! Vê, eles querem tão pouco, apenas um pouco de atenção, sentir que existem, que não são apenas parte do cenário como algo que nós apenas desviamos pelo caminho. Seria tão bom que houvessem mais pessoas que fizessem como você!!! São crianças, todas são essencialmente boas, apenas reagem a nossas ações.Nós (a sociedade) somos os culpados por tamanho mal, ao não reconhecermos que tudo que é preciso é um pouco de atenção, um pouco de amor ao próximo. Ganhaste minha admiração definitivamente junto a todo meu respeito!!!
    Um GRANDE abraço minha amiga.

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  11. Deus sabe o que faz! Tudo acaba conspirando para uma nova chance, um recomeço. Essa sensação que você sentiu é a mesma quando nos lembramos de nossa mãe, e pensamos: "Por que eu não a ouvi quando ela me chamava a atenção??"

    A voz da Consciência é como nossa mãe: é tolerante, mas também onipresente!

    Bjs!

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  12. Oi Denise,
    Quantas bobagens guardamos dentro de nós...
    Quantos emoções sentimos e não sabemos explicar...
    Somos humanos querida.As vezes, fazemos o que parece ser o melhor no momento.
    Com certeza, esse menino se lembrará de você para o resto da vida, e é claro, você também...
    Parabéns por ter enfrentado o desafio do diálogo.
    Grande beijo.

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  13. Oi De!
    Mas é assim que se caminha a humanidade: com passos de formiga... O importante, porém, é que caminhe e que de alguma forma a consciência chegue.A sua refletiu em momentos e lições que certamente o acompanharão por toda a vida. Uma pequena ação pode desencadear grandes ações! E acho que aí você deve estar em paz com a sua consciência.
    Grande beijo,
    Jackie

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  14. Olá Denize!

    Sempre penso que somos nós que fazemos a diferença em nosso mundo e penso também que só quando trabalharmos em conjunto é que conquistaremos esta melhora, precisamos nos unir e fazer grupos para um trabalho a favor do povo e também claro que há muitos que são mais passivos e se permitem e também há os que não se abrem a isso, mas, se pudermos nos unir por toda parte de fazer um trabalho em união tudo isso amenizaria, pois tudo está sempre voltado ao nosso próprio comodismo, assim como se sentiu bem quando conquistou a amizade desse garoto, todos nós que podemos gerar atitudes assim também nos sentiremos e estaremos com certeza promovendo um mundo melhor! A nossa sociedade, nós pessoas, povo, precisamos nos unir e fazer nosso mundo se tornar sustentável amando e nos sentindo amados com nossos gestos! Assim como você fez e se sentiu por um momento melhor em seu interior!

    Um abraço,
    "Todo o Conhecimento é Luz que Inspira a Alma" -*Vera Luz*-

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  15. A vida é feita destas pequenas histórias. Pessoas vão e vêm e enriquecem o nosso ser. Se agirmos como nos manda a consciência, nenhuma angústia nos pode atingir.
    Beijos!

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  16. Oi Leôncio, é isso! Quanto mais ignoramos quem precisa, mais contribuímos para que as crianças se tornem os bandidos do amanhã.

    Não adianta nos cercarmos de grades, uma hora teremos que sair. E o resultado da nossa indiferença com certeza acabará nos atingindo.

    Abs

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  17. Oi Ademar, esse espaço aqui é meu espaço pessoal, onde tento passar coisas positivas para os leitores, com base no que aprendi e tenho vivenciado. E onde narro algumas passagens apenas divertidas também.

    O outro espaço que você conhece é meu espaço de Divulgação dos blogs que gosto e acompanho.

    Mas com relação ao texto, penso da mesma forma que você. Tambem acredito que somos responsáveis por essa situação triste e lamentável, já que seguimos pela vida centrados em nós mesmos e tantas vezes nos omitimos até com relação aos mais singelos gestos de compaixão e solidariedade.

    Como disse numa resposta lá no blog, quando conseguirmos aprender a abrir nossos corações, talvez possamos algum dia abrir nossas bolsas sem nenhum temor. E penso que as crianças tem que ter uma atenção especial, já que são os verdadeiros herdeiros da vida.

    Agradeço as palavras gentis, mas ainda tenho muito o que avançar nesta área. Esse episódio que narrei tem muito tempo e fiquei com a nítida impressão que poderia ter feito muito mais...

    Admiração e respeito recíprocos, amigo, por tudo que tenho visto no teu excelente blog e na tua participação por aqui desde que chegaste.

    Abração

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  18. Oi Ebrael, acho que você colocou bem: a famosa voz da consciência. O que sei é que fiquei com a sensação de coisa inacabada e que essa oportunidade de fazer melhor eu perdi.

    Menos mal que outras vieram e continuam vindo...

    Bjs

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  19. Oi Beth, guardamos muitas bobagens né? Como essa eu tenho várias outras...

    Acho que o que me incomodou é que mesmo na época, e isso tem muito tempo, eu já poderia ter feito melhor e não fiz.

    Eventualmente quando me lembro disso, volta a sensação de oportunidade desperdiçada.

    Mas como disse para o Ebrael, a vida é generosa e rica em oportunidades.

    E em relação ao enfrentamento do diálogo, acho que foi mais fruto do meu egoísmo do que qualquer outra coisa... Eu gostava daquele restaurante e logo percebi que teria problemas se não tentasse anular aquela sintonia ruim.

    Mas de qualquer forma as coisas tomaram uma dimensão inesperada e acabaram se tornando um fato marcante na minha história. O menino dos tickets jamais será esquecido e mando meus melhores pensamentos para ele até hoje.

    Bjs

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  20. Oi Jackie, caminhamos a passos de formiga mesmo, né? E isso me dá um certa agonia, às vezes. É a minha velha e querida ansiedade que gostaria de ver tudo pronto e melhorado "ontem".

    Mas este episódio em si foi muito "mágico" pra mim. Eu era bem nova e aprendi muito com ele. O que me deixou incomodada foi a parte final e o que deixei de fazer depois.

    Bjs

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  21. Oi Luísa, é verdade o que você disse. Algumas pessoas cruzam nosso caminho por um instante e se tornam especiais no nosso mundo. E momentos lindamente partilhados muitas vezes se eternizam na nossa memória e nos nossos corações.

    Nesse caso, acho que não agi cem por cento de acordo com a minha consciência, talvez seja por isso que uma certa angústia surja quando me lembro...

    Bjs

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  22. Oi Vera, concordo com tudo o que você disse. Também penso que nosso comodismo agrava essa situação de abandono em que muitos vivem.

    Não adianta nos cercarmos de grades e fazermos de conta que não é com a gente. Uma hora teremos que sair e a nossa indiferença acaba retornando para nós sob a forma dessa violência toda que nos assola.

    A união de todos no sentido de tranformar ese cenário, me parece um ótimo caminho.

    E você tem razão, os nossos mais singelos gestos em direção aos que precisam fazem um bem danado e trazem muita paz. Foi o que comprovei nessa história que narrei.

    Bjs

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